Descer Belém, uma caminhada através do natural e do urbano

Deixando para trás a clareira da Capela de São Jerónimo, vou seguindo lentamente um pequeno trilho, envolvido em natureza. O caminho parece mais um túnel, atravessando os bosques em crescimento. O sol consegue perfurar facilmente, estilhaçando em pontos aleatórios. Com uma sucessão de escadas curtas, o percurso ziguezagueia pela encosta abaixo. Estou constantemente a olhar por entre os densos cachos de folhagem para ter um vislumbre da grande avenida que se dirige para a beira-rio. São cerca de 14 horas agora, e estou a meio do meu passeio até Belém.

Ao som de cliques, guinchos e melodias de aves escondidas, deixo a mata para chegar ao último relvado antes da avenida Jardim Ducla Soares. No seu limite, a estátua de D. Nuno Álvares Pereira segura uma espada, e parece estar a tentar proteger-se do sol intenso, enquanto a relva se mantém indiferentemente húmida, tal como o trilho debaixo das árvores de cada lado da encosta. A imagem de folhas acastanhadas caídas cobrindo algumas poças é a única prova de que estamos no Outono. Olhando de novo a cidade, a estrada assegura um fluxo constante de veículos, e cada janela pisca com a luz do sol. Alcanço o passeio debaixo da longa fila de árvores, com uma sombra refrescante.

Em ambos os lados da longa rua está uma coleção de imensas casas. Os edifícios apresentam uma variedade de formas e estilos; há mansões que parecem mais tradicionais, algumas construções clássicas, e também designs modernos, todas partilhando um tamanho respeitável que se impõe ao transeunte. Por detrás de cada grande portão e de cada vedação, há o que parecem ser florestas privadas, crescendo aparentemente sem limites. E para lá dos telhados e das copas das árvores que definem o perfil da paisagem mais próxima, a margem sul do Tejo surge no horizonte. Já no centro da cidade, as gaivotas começam a aparecer à volta do Largo Princesa. O rio está a aproximar-se.

Torre de Belém, Lisbon

Av. Brasília, 1400-038 Lisboa, Portugal

Escapo ao bairro por uns momentos para ter um rápido vislumbre da margem do rio. Consigo ver a Torre de Belém depois da estrada marginal e do caminho de ferro. Na contraluz do Tejo, que espelha a luz do sol, as pessoas caminham pelo monumento e pela relva, quase como uma miragem. Há uma ponte levando ao amplo relvado, e daí observo como a multidão se move como uma maré, indo e vindo e alastrando pela área que se estende desde as docas até o monumento manuelino. Voltando à cidade irrequieta, tomo a oportunidade para seguir algumas ruas que não conheço. Animadas e coloridas, escondem estúdios de artesanato e restaurantes pitorescos, mesmo ao lado da rua mais movimentada.

Mosteiro dos Jerónimos

Praça do Império 1400-206 Lisboa, 1400-206 Lisboa, Portugal

A última metade da Rua Bartolomeu Dias tem algumas últimas lojas e cafés, e as residências dominam. Posteriormente, surge a zona mais turística da freguesia. O estreito passeio leva-me direito às estradas abertas e relvados que cercam algumas das mais famosas atrações de Belém: Mosteiro dos Jerónimos, Centro Cultural de Belém e Praça do Império. As âncoras tornam-se um motivo regular, espalhadas um pouco por todo o lado. A vegetação recupera força à volta de cada edifício e especialmente no gracioso jardim da Praça do Império. O mosteiro do século XVI é o mais impressionante, crescendo sobre toda a paisagem.

As pessoas reúnem-se como formigas na coleção de estradas e caminhos, formando filas em cada ponto de interesse. Autocarros urbanos e expressos, táxis e eléctricos fazem regularmente as suas voltas pela zona; trazem novos grupos de visitantes e levam outros para longe, saltando de um destaque para o outro, como a multidão faz, num fluxo contínuo. É a habitual agitação turística de Belém. Avanço para passear pelo jardim, mudando o meu ponto de vista, e tentando não prestar mais atenção à comoção do que à própria paisagem.

Um vento suave agita as fileiras de bandeiras na entrada do CCB e, do outro lado da avenida ribeirinha e da ferrovia, agita levemente os mastros dos veleiros nas docas próximas. O Padrão dos Descobrimentos ergue-se perto. O jardim, o ponto central da enorme praça, é exuberante e acolhedor. Casais passeiam lentamente, tirando fotos com as sebes geométricas como fundo. As gaivotas pairam, soltando um guincho de vez em quando. Famílias, grupos escolares e estrangeiros, figuras movimentam-se por entre canteiros de flores e estátuas de pedra, desfrutando da grande fonte, dos tanques de água, da vegetação charmosa.

Jardim da Praça do Império

Jardim da Praça do Império, Praça do Império, 1400-206 Lisboa, Portugal

À medida que cada um caminha pelos percursos, a sua silhueta tem uma auréola estranha, um contorno de luz lançado pelo sol quente. Sob um ambiente outonal, o Jardim da Praça do Império oferece uma visão de forte saturação e contrastes nos seus tons; as cores da vegetação e a animada margem do rio estão agora a ser acompanhadas por sombras intensas, que se estendem progressivamente sobre o solo de alcatrão, anunciando os primeiros minutos da descida do sol.